Durante uma série de conferências realizada em uma de nossas igrejas, fiquei responsável em cuidar das crianças enquanto o meu marido falava para os adultos. Num salão preparado especialmente para elas, programamos atividades recreativas, educativas e também espirituais como filmes, brincadeiras e dinâmicas. Era preciso muita criatividade, para segurar 30 crianças entre 3 e 10 anos, por uma hora e meia, todos os dias no período de 30 dias.
Numa certa noite ao realizar uma dinâmica perguntei as
crianças: O que vocês querem ser quando crescer? Todas as crianças
levantaram as mãos e começaram a responder, uma diz quero ser médica,
outro, bombeiro, outra, engenheira, outro, advogado, mais
outra, psicóloga, e outro, astronauta, e mais outra professora, e cada um
foi respondendo, até que faltou apenas um garoto de mais ou menos 9 anos que
estava entretido montando um brinquedo com peças de encaixe que estava sobre a
mesa. Então aproximei dele e perguntei: E você o que quer ser quando crescer?
Com voz firme e sem tirar os olhos do brinquedo respondeu: Um traficante.
Um silêncio geral ecoou por toda sala, confesso
que não estava preparada para aquela resposta, fiquei sem ação, não sabia o que
dizer. E com uma frieza de congelar todo aquele ambiente o garotinho prossegui:
Ser traficante tia é muito legal, não preciso nem estudar, vou ganhar
muito dinheiro e as pessoas ainda vão me respeitar.
Esse diálogo aconteceu num
o período em que a televisão divulgava em todos os jornais, noticiários e
reportagens, sobre a vida criminosa do traficante considerado mais famoso do
Brasil Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-mar.
Notícias sobre a vida delituosa de
criminosos como Fernandinho Beira Mar, o maníaco do parque, Champinha, entre
outros, ocupa espaços cada vez maiores na Televisão Brasileira.
Esse modelo de jornalismo iniciou no Brasil a
parti dos anos 90 com a introdução de programações e telejornais prestigiando a
violência, explorando a tragédia humana e nutrindo o medo da população. Um
desses programas foi o “Aqui e agora” que estreou, no dia 20 de maio de
1991, as seis horas da tarde, como Slogan "um jornal vibrante, uma
arma do povo, que mostra na TV a vida como ela é!"
O jornal exibia manchetes com foco em
reportagens policiais, envolvendo sequestros, tiroteios, perseguições
policiais, assassinatos e crimes brutais, na maioria das vezes mostradas ao
vivo. O índice de audiência foi tão alto, que levaram outras emissoras a
copiaram a fórmula e apresentarem programas semelhantes, e desde
então cenas de perseguições em favelas, tiroteios em praças públicas,
pessoas algemadas, sequestros e assassinatos passou a fazer parte dos
noticiários e do diálogo diário de muitas pessoas, contribuindo
assim para o medo e sentimento de insegurança da população.
Com essa mídia de massa o mundo
encolheu e permitiu a disseminação de notícias e ideias numa grande velocidade
e com todas essas informações o mundo parece menor do que nunca, os seus
conflitos estão mais próximos, os problemas são mais imediatos e a violência
mostrada em tempo real deixa a população cada dia com mais assustada e
insegura.
A guerra do Golfo foi a
primeira a expor crianças brasileiras as atrocidades da frente de batalha
em suas próprias salas de estar, todas as noites com cenas apresentadas ao
vivo. A relação televisão e violência levaram pesquisadores analisarem os
efeitos negativos que tais conteúdos poderiam causar as crianças.
As pesquisas de Silberman (1992) (Drabman e Thomas,
(1976), (Levine 1996) e Bandura 1968) indicam que crianças expostas a
cenas de violência podem desenvolver menos sensibilidade a dor e ao
sofrimento dos outros, um grande medo do mundo que os rodeiam, fantasias
persecutórias, sonos agressivos e aterrorizantes e mais
probabilidade de atuar de forma agressiva e
violentas face aos demais.
Um estudo realizado
nos Estados unidos para saber a relação entre violência e televisão encontrou
indicativos que a exposição a televisão com conteúdo violento
pode ensinar as crianças técnicas de brutalidade, infundir o
medo e contribuir para tornar as crianças mais insensíveis.